Brexit e a ambivalência em pertencer a algo maior

13 de dezembro de 2018

Tanto para os europeus como para os observadores externos, a União Europeia representa uma conquista humana notável na integração e na governança com subsidiariedade. A UE é um arranjo que busca um equilíbrio contínuo entre o que é decidido em seu centro nevrálgico e o que é resolvido nos níveis nacional e local. Os esforços de integração em outros continentes ainda não chegaram tão longe. Apesar do Brexit e do alvoroço ao redor do crescente nacionalismo em toda a União, muitos observadores em outras regiões  ainda veem a UE como um modelo a ser imitado. É um modelo que prevê a livre circulação de bens, serviços e mão de obra, políticas econômicas e sociais comuns em áreas específicas, uma moeda comum para aqueles estados que a ela aderem e posições políticas comuns em relação ao resto do mundo. As atuais tensões no Reino Unido com respeito ao Brexit, o qual deve entrar em vigor em março de 2019, não refletem mais do que o clássico dilema de procurar pertencer a alguma estrutura maior para ganhos materiais e políticos, e ao mesmo tempo manter um grau aceitável de autonomia em questões domésticas. Para a pequena maioria que votou a favor do Brexit, considerações de autonomia – inicialmente pelo menos – superaram a vontade de pertencer a um coletivo maior.

O dilema inerente ao Brexit é antigo – um desafio que já confrontou os estados principescos da Índia, as cidades-estado gregas, as cidades-estado italianas, os estados germânicos do Sacro Império Romano, e muitas outras coleções  de entidades políticas autônomas ou semiautônomas. A união — voluntaria ou forçada através da expansão de impérios — traz benefícios em termos de economias de escala, aumento da prosperidade e também, se estendida ao âmbito político, alguma medida de segurança conjunta para enfrentar desafios e ameaças externas.

Ao longo do tempo, muitas outras sociedades enfrentaram a opção de integrar-se com outras nações, ou preservar a autonomia total, ou alcançar alguma combinação das duas coisas. Numa época em que a UE enfrenta crescentes desafios centrífugos como o nacionalismo, faz sentido olhar para instâncias na história em que estados-membros de coleções maiores de estados passaram a considerar a união insuportável e se separaram do coletivo.

Bons romances históricos dão vida o passado ao converterem hábilmente conceitos abstratos como integração e autonomia em cenas, sons, sentimentos e diálogos entre pessoas de carne e osso. A leitura de ficção histórica cuidadosamente elaborada pode inspirar ideias sobre como os indivíduos eventualmente reagem e se comportam em resposta a esses desafios globais enfrentados por suas sociedades e como eles podem resolver a tensão universal entre pertencer a algo maior e ser totalmente livre.

O Vale do Indo do segundo milênio a.C., tal como retratado no romance O Amanhecer sem Fim, é uma confederação de sete províncias autônomas, cada qual dirigida por um governante chamado arasunki – (da palavra proto-dravidiana arasan, ou príncipe, e do termo elamita sunki, ou rei) que se reúnem regularmente em um conselho liderado por um dirigente supremo chamado de korravan. Por gerações, a comunidade de Melukkha proporcionou segurança e prosperidade para seus habitantes de diferentes raças e crenças. Os benefícios dessa integração incluem um florescente comércio com a Mesopotâmia, Elam (Irã) e Khemet (Egito), cidades uniformemente planejadas com água encanada e saneamento, boas estradas e, acima de tudo, harmonia entre os grupos étnicos com respeito mútuo pelas religiões e raças. E então de repente algo acontece para mudar tudo e perturbar este cenário idílico único.

Uma grande horda de migrantes montados provindos das estepes da Ásia Central, que se chamam de eiryas, converge em Melukkha através de um desfiladeiro nas montanhas ocidentais e tomam à força a capital de Ashurapur, com grande perda de vidas. A derrota da confederação de Melukkha leva a uma nova estrutura de governança onde o respeito mútuo e o equilíbrio entre as comunidades são substituídos pela supremacia de um grupo só — os eiryas — acima de todos os outros. Enquanto seis das sete comunidades se adaptam à nova situação, um grupo, a rica comunidade comercial dos pānis, que têm enclaves comerciais que se estendem até o Golfo de Elam e a Mesopotâmia, decide realizar uma espécie de Brexit por conta própria, algo que terá consequências devastadoras para a comunidade de Melukkha. O Amanhecer sem Fim é uma leitura essencial para aqueles que se interessem por questões de integração política e econômica versus autonomia e pode até informar o pensamento daqueles que hoje estão a contemplar o Brexit.